Tuesday, April 01, 2008

Vitalidade na maturidade

Um salão de baile que reúne veteranos com ruguinhas no rosto, mas cheios de vida, como Alice (Tônia Carrero), Álvaro (Leonardo Villar), Eudes (Stephan Nercessian), Marici (Cássia Kiss), Elza (Betty Faria) e ainda os calouros Bel (Maria Flor) e Marquinhos (Paulo Vilhena). Este é o cenário em que se passa “Chega de Saudade”, de Laís Bondanzki.

Ao contrário do que acontece em filmes como “Vem dançar comigo” , o objetivo da cineasta não é fazer uma história sobre dança e, sim, sobre a vitalidade na maturidade. Prova disso são os enquadramentos escolhidos por Walter Carvalho, que privilegia muito mais closes do que planos abertos, geralmente utilizados para mostrar coreografias. Em "Chega de Saudade", a lente de cores vivas do fotógrafo circula pelo salão em busca de detalhes, entre eles sapatos de dança, pés como instrumentos de sedução ou acompanhando a melodia tocada, e, até mesmo, marcas de expressão.

A opção da cineasta por focar a narrativa nos bailes de Terceira Idade pode despertar um gostinho de “falta alguma coisa” ou até mesmo estranhamento na nova geração de pés-de-valsa, interessada em coreografias com passos de efeito e acostumada a frequentar ambientes com estilo mais “fashion” e seguranças na porta, onde não são encontrados com tanta freqüência personagens, como o cavalheiro de aluguel.

No entanto, até mesmo os mais jovens se identificam com os personagens em situações com as quais nos deparamos nos bailes de dança e da vida, principalmente as mulheres. A alegria de ser cortejada e virar centro de disputa tácita ou escancarada de dois corações apaixonados. O friozinho na barriga ao vislumbrar a possibilidade de um relacionamento depois de tempos de solidão. A decisão de chegar junto do cavalheiro almejado e confessar um amor evidente, mas secreto. A revolta por ser traída. O contentamento por dar troco à rejeição. A excitação motivada por olhares certeiros, toque calorosos e pela conquista. A tentativa de se insinuar para chamar a atenção do sexo oposto. A frustração de ficar de molho na cadeira por falta de convites. A tristeza de se arrumar para ser vista e nem ser notada. O gosto amargo de ver a pessoa amada encantada por alguém mais atraente.

Sendo assim, a história de Bondanzki tem o mérito de explorar a figura feminina em um meio que, volta e meia, direciona os holofotes para os cavalheiros, seja por serem os responsáveis pela condução da dama, os concretizadores da conquista ou mesmo o grupo em menor quantidade no salão, que pode se dar ao luxo de escolher quem dançará e quem tomará “chá de cadeira”. Justamente por tratar com precisão estes dramas femininos, o filme deve ser referência obrigatória para os “fominhas de salão” que pensam que colocar-se no lugar da parceira é saber apenas executar os passos delas, sem atentar para os sentimentos reunidos no imaginário da dama. Um universo particular acessado a cada abraço que inaugura uma dança.

Todos estes fatores por si só já seriam razões para ver “Chega de Saudade”, mas não o principal mérito do longa-metragem. Seu diferencial é apresentar a Terceira Idade de forma menos sisuda e mais verossímil. Uma geração que soma anos de vida e não vê a chegada dos cabelos brancos necessariamente como a proximidade de um fim eminente. Pessoas que se permitem viver amores e, mesmo na maturidade, ainda sentem o coração acelerado e ficam ansiosas a cada troca de olhares, como pré-adolescentes. Pessoas que se permitem ter relacionamentos abertos e romances tórridos de uma noite só, como os jovens de hoje. Pessoas que relembram e redescobrem a juventude no salão e, por isso, passam a freqüentá-lo religiosamente.

A temática é mais do quem bem-vinda levando-se em conta o aumento de praticamente 32,4% da expectativa de vida do País, desde 1960 a 2006, segundo dados do IBGE. O fato anuncia a necessidade de tornar mais freqüente e aberto o debate de assuntos relacionados a esta faixa etária, entre eles formas de viver a sexualidade com prazer e segurança na maturidade – discussão mais do que propícia, tendo em vista o crescimento do número de idosos com Doenças Sexualmente Transmissíveis.

Não é à toa que as salas que exibem o filme estão repletas de idosos, ansiosos por verem uma trama na qual têm destaque e não aparecem estereotipados como “os fofos” ou “os abandonados pela família”. Com um elenco de primeira, o filme apresenta personagens reais, nem sempre impecáceis moralmente. Dá voz ao conquistador que corteja uma garota mais jovem e comprometida, enquanto garante companhia para a noite com uma amiga de baile; ao homem que finge não ser casado para se aventurar com outras damas; à mulher que trai e à que faz jogo duro, sem esquecer de pontuar sutilmente problemas como o Alzheimer ou o medo da morte.

Que “Chega de Saudade” seja um ponto de partida para a valorização do rico universo da maturidade, tanto nas telas, nos bailes, como no dia-a-dia.

Monday, December 10, 2007

Devoradora por paixão e ofício


Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente". De certo, a máxima de Oswald de Andrade é uma das idéias que mais teve influência na minha vida e na opção pelo Jornalismo como ganha-pão, ainda que forma intuitiva por vários anos de minha existência. Desde que me entendo por gente, devoro não apenas guloseimas preparadas por minha mãe, mas especialmente histórias, relatos, pessoas, utilizando cada visão de mundo para incrementar minha percepção acerca da realidade. Sou adepta do canibalismo cultural.

Comecei a cultivar o vício ainda criança, quando devorava um a um dos gibis de Mônica e sua turma. Desenho por desenho. Balão por balão. Palavra por palavra. Pilhas deles decoravam meu quarto e serviram de ponto de partida para a paixão pela literatura, que impulsionava ainda mais minha vontade de devorar histórias compulsivamente.

Anos mais tarde, passei a fazer meu ritual antropofágico nas aulas de redação do colégio. Rabiscava, apagava, pegava uma nova folha de papel, atirava a outra no lixo e partia para mais uma tentativa. Sempre fui muito exigente com as palavras por partir do pressuposto que meus textos tinham de ser devorados com prazer pelos que estivessem dispostos a lê-los. Apostava – e ainda aposto – em uma mistura de ingredientes: lirismo (quando permitido), coesão, ritmo e um português com menos erros possível. Graças a Deus, a proporção de elogios sempre foi maior que a de queixas de indigestão.

Entre as palavras de incentivo, uma teve significado especial para mim. Mestre Dilson, um professor de português, havia pedido que eu e os colegas de classe escrevêssemos uma carta para Gilberto Gil. Minhas linhas nunca foram lidas pelo ministro, mas a resposta de meu tutor atingiu de forma certeira meu coração. "Você vai longe", escreveu ele no texto, dizendo estar emocionado por ter revivido instantes de sua juventude através de minhas palavras. O comentário foi tão marcante, que acabei transformando-o em indagação. Na tentativa de saber até onde chegaria com minha com vontade de escutar e recontar as histórias dos diversos personagens que compõem o cotidiano, marquei a opção "Comunicação Social" no cartão de inscrição do vestibular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Hoje, recém-formada, vejo que optei pelo caminho certo. A cada matéria, tenho a possibilidade de devorar diferentes opiniões, culturas e sentimentos. Redescubro o mundo através do outro, dialogando com ele e, principalmente, escutando suas crenças e observando as sutilezas de seus gestos. Desta forma, percebo o quanto ainda tenho de aprender e partilho cada descoberta – por menor que seja – com meu leitor. Deixo que ele conheça junto comigo novas faces de cidades, de países, do planeta, do universo que nos cerca.

Tenho noção de que existem aqueles que optam pelo Jornalismo na tentativa de expor suas crenças. Respeito o ponto de vista, mas discordo totalmente com a idéia. Encaro o repórter como um agente da informação a serviço do outro que, mais do que falar, exercita a escuta diariamente e dá voz a pessoas de diversas classes, religiões, raças, níveis de formação, status em cada pauta. Alguém que a cada matéria – ou mesmo nos bastidores da produção noticiosa – devora, digere e ajuda a nutrir a sociedade, deixando que ela mesmo utilize esta refeição da forma que lhe for mais conveniente. Democratiza a informação tendo em vista a pluralidade do todo social.

E vou além: considero o jornalista um promotor da educação na medida que amplia o horizonte dos homens de “consciência enlatada” – como diria Oswald – através da cobertura de fatos, que, por sua vez, suscita o saudável hábito de debater no espaço público, a devoração recíproca propriamente dita. Por este rito, nascem consciências participativas, que passam a vislumbrar novas possibilidades. Cidadãos que, ao reconhecerem a sociedade, redescobrem o Direito e utilizam a devoração da informação
como garantia de cidadania.

Saturday, February 10, 2007

Prosa do futuro exílio




Sabe aquela sensação de fim de festa? Ver todos os participantes que se divertiram à noite inteira – ou não – saírem esgotados e olhar para móveis e arranjos postos em outro lugar. É como se todos estes elementos e tantos outros situados ao nosso redor evidenciassem o passar de minutos, de instantes, de anos que retornam como um flashback na memória.

Ontem, senti esta sensação ao ver bolas e chapéus caídos sobre o chão e ao me deparar com pessoas que fizeram parte da minha existência: a amiga preferida de colégio; a professora de Literatura, que me fez conhecer e amar um pouco mais a minha língua; amigos feitos na adolescência e que, tantas vezes, me serviram de suporte; e ainda pessoas também muito queridas e conhecidas ao longo desta breve existência adulta que tanto fomenta em mim angústia, seja pelo ser ou não ser, seja pelo ter ou não ter. Tudo em um piscar de olhos.
Nesses 4 anos vivenciados dentro das paredes uerjianas tenho certeza de que aprendi muito mais do que conteúdos referentes à prática jornalística. Tomei posse da vocação de filósofa e, dia após dia, tornei-me mais humana ao me questionar os rumos de minha vida, tão limitados e audaciosos há cinco anos atrás, tão imprecisos, lapidados, mais realistas e modestos. Porém, ainda são sonhos com cara de sonho, vontade de modificar mundos dentro do mundo e de torná-los menos cor de cinza.

Assumo, dia a dia, a vocação de caçadora de esperanças. Caço não apenas as minhas, as perceptíveis e as anestesiadas pela dureza do envelhecer e do capitalismo que nos torna descartáveis e tantas vezes alienados – por mais que neguemos, funcionamos várias vezes como robozinhos fordistas. Caço as esperanças de outros. Anseios que me modificam, me provocam, me instigam a lutar contra a mediocridade que tantas vezes circula sobre o meu corpo e fica entranhada em minhas células. Esperanças que me humanizam. Esperanças que semeiam esperanças.

Tudo tão bom e tão melancólico. Ver que o tempo passou e que uma etapa se cumpriu de forma totalmente distinta daquela planejada por mim. Ver que a promessa tão despretensiosa feita quando era apenas uma vestibulanda se cumpriu e que, em julho, completarei um ciclo da minha vida em muros que representam um misto de indignação contra o Estado e admiração em relação aos guerreiros. Muros que, hoje, também são um pouco de mim e materializam memórias, lembranças do que ali fora vivido.


Nosso campus tem menos verde; nossas instalações, menos verbas, mas nem por isso em nosso peito bate um amor menor. Eis um sentimento de uma futura exilada que vislumbra a possibilidade de deixar seu pedaço de terra – pelo menos no lugar de onde fala agora – e vive a travessia proposta por Pessoa. Um ser migrante que procura, a cada instante, alimento para sua existência dentro de si mesma e dentro do outro, por meio de quem também se reconhece. Uma caçadora à procura de esperanças internas, externas, do mundo.

Thursday, January 04, 2007

O início de tudo

Olá, pessoas queridas. Enfim, tomei vergonha nesta cara transparente (quem me conhece sabe o porquê da minha afirmação). Chegou o dia de colocar o comodismo de lado e dar um passo adiante na minha busca por palavras, por idéias, por mais experiências entre eu e o papel. Papel??? Que coisa mais ultrapassada. Seria melhor utilizar "suporte material" – nomenclatura muito "intelectualóide", mas ainda assim a mais adequada.

Quem sou eu? O porquê do título? Bem, estas perguntas deverão ser respondidas em um momento posterior, quando não estiver escrevendo em um computador com internet discada sem ser de madrugada. Céus! Será que os segundos aqui gastos podem ser cortesia da telefônica? Na dúvida, prefiro continuar a falar sobre mim e sobre a vida em outro momento.

Hasta la vista !!!